"Estou desmotivado… mais! Estou revoltado!” – escreveu o médico figueirense Ricardo Duarte
Foi em finais de dezembro de 2015 que Ricardo Duarte, médico com especialidade em Anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e a competência em Emergência Médica (a trabalhar no Funchal), deu a conhecer num post na rede social Facebook alguns dos problemas profissionais da classe que representa.
O texto tornou-se viral, sendo partilhado por imensos perfis e reproduzido em vários órgãos de comunicação social nacionais. Continua actual.
Ricardo Duarte nasceu em Setúbal mas foi na Figueira da Foz, desde tenra idade, que residiu, cidade onde ainda hoje habitam os seus pais e que regressa sempre que pode.
Numa entrevista à SIC Notícias Ricardo explica o desbafo.
Texto na íntegra:
"Estou desmotivado… mais! Estou revoltado!
Porquê? Tentando fugir a toda e qualquer subjetividade, vou-me restringir a factos (sem respeitar um acordo ortográfico que assassina a minha língua materna):
1. Tenho 38 anos, sou Médico há 15 anos. Possuo uma especialidade em Anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e a competência em Emergência Médica. Gosto do que faço!
2. Recebo menos de metade de quando acabei a especialidade há 8 anos. É um facto. Para receber o meu ordenado base limpo tenho de acrescentar em média 100 horas extras por mês. Trabalho assim 65 horas por semana a uma média de 9 euros por hora. É um facto.
3. Este ano estive de serviço no dia de Natal, o ano passado fiz o 31 de Dezembro. É um facto. Nesse dia de Natal fui insultado pelo familiar de um doente que não concordou com o horário da visita do meu serviço. É um facto. Tenho um filho com 5 anos e não tenho dinheiro para pagar o infantário a um segundo que não tenho. É um facto.
4. Pertenço à minoria de Portugueses que paga impostos, e como sou considerado rico o meu filho paga mais na creche que muitos outros… pelo mesmo serviço, porque não come mais, nem come antes. É um facto.
5. Todos os dias tenho de tomar decisões clínicas que determinam a vida e a morte de pessoas ao meu cuidado. É um facto. Hemorragias aneurismáticas, como as do mediático caso do David, são apenas um exemplo das situações que eu e os meus colegas temos de tratar o melhor que sabemos e podemos. É um facto.
6. Mesmo sendo médico limito-me a comentar profissionalmente situações que são da minha área de diferenciação. A Medicina é tão vasta que se comentar situações ou acontecimentos de outras áreas sei que vai sair asneira. É um facto.
7. Vivo num País em que quem comenta o penalti e o fora de jogo acha que sabe o suficiente para ditar o certo e o errado naquilo que faço todos os dias. Em que aqueles técnicos de ideias gerais, a quem chamamos jornalistas, e os seus amigos comentadores profissionais, se sentem à vontade para “cagar lérias” sobre aquilo que desconhecem e não têm capacidade técnica para apreciar. É um facto. Por mais de 9 euros à hora… Julgo eu, porque nunca me mostraram o recibo de vencimento!
8. Trabalho num serviço de saúde onde tenho de improvisar a toda a hora porque o fármaco x e y “não há” (Ups… estamos proibidos de dizer que não há!). É um facto. Onde temos vários ventiladores de 30 mil euros avariados (um deles há mais de 1 ano!) porque “ninguém” pagou a manutenção. É um facto. Eu levo o meu carro à revisão todos os anos e pago. É um facto.
9. No dia em que o que me pagarem para ir trabalhar não for o suficiente para a despesa da gasolina e do estacionamento ( como concerta acontece com algumas equipas de prevenção específicas do SNS), não o farei. É um facto. Isso não retira qualquer valor ao juramento de Hipócrates, nem a Lei obriga (ainda!) ao trabalho escravo. É um facto.
10. Se eu estiver doente e precisar de assistência prestada pelos meus colegas no SNS tenho de pagar taxa moderadora, ao contrário de muitos outros… É um facto. E se andar de comboio, como não sou trabalhador da CP também pago. É um facto.
11. Eu e os meus colegas trabalhamos mais doentes que muitos doentes que são vistos no serviço de urgência. É um facto. Vivo numa região em que qualquer dor de dentes, grão no olho ou escaldão da praia vai para a urgência do hospital numa ambulância de emergência médica. Muitas vezes com a família no carro imediatamente atrás da ambulância. E sem pagar um tostão. É um facto.
12. No hospital em que trabalho existem mais de 100 camas de agudos ocupadas com as chamadas “altas problemáticas”. Situação que se arrasta há vários anos e legislaturas e cuja resolução (política) escapa aos mais dotados. É um facto.
13. Vivo numa região em que se gastam muitos milhões em fogo de artifício e marinas abandonadas, sem existir contudo dinheiro para um monitor e um ventilador de transporte para a sala de emergência de um hospital dito central e centro de trauma certificado. É um facto.
14. A descoberta das vacinas constitui um dos maiores avanços da Medicina do século XX e a implementação de um plano de vacinação global para a população é um marco histórico de qualquer civilização, contribuindo para a redução da mortalidade infantil e aumento da esperança de vida. É um facto. Vivo num país que já não consegue garantir uma cobertura vacinal completa e atempada às sua crianças. Um retrocesso de gerações… um sistema podre e decadente. Não vejo os noticiários abrirem com esta notícia. É um facto. O meu filho não fez a vacina da difteria, tétano e tosse convulsa aos 5 anos. Não há… Talvez para o ano. É um facto.
15. E por tudo isto estou revoltado… É um facto.
Funchal, penúltimo dia de 2015.
Ricardo Duarte. Cédula da Ordem dos Médicos 41436"
Foto: DR/Visão
A verdade de mãos dadas com a emoção,sempre,e há luz dos tempos em que vivemos,mais resultam exemplarmente em inegáveis provas do quanto o sistema político social está viciado em práticas onde a sensibilidade humana é arrastada por trilhos de uma vergonha,que só a tem quem a sofre na pele,ou por princípios se distancia dos animais políticos que se pavoneiam em corsos carnavalescos,se exibem em oratórias eloquentemente hipócritas,se corporizam em mitos onde a falsidade lhes limita a seriedade de um carisma que nunca lhes é reconhecido,ainda que até ao resto das suas vidas,sejam bem pagos pelas performances circenses a que se expõem.
Bom.e aí,já ouço os seus murmúrios nas costas de quem faz dessa verdade a certificação do que pensa,e que sorrindo em cinismos distanciados,se sente tão vencedor,que nem resiste em acabar em campas privadas e lustrosas,para um "soninho distinto" de todos os outros,para além de uma vida que até pensam que nunca acaba.
Que nunca também acabem "os Ricardos Duartes" do nosso contentamento,pois quem sabe um dia se abram mais as pestanas de quem por acreditar em milagres,não percebe que para haver contemplados,tem que haver prémios,na certeza porém,que esses não podem ser muitos,se não não o eram...
Custcruz
Foi em finais de dezembro de 2015 que Ricardo Duarte, médico com especialidade em Anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e a competência em Emergência Médica (a trabalhar no Funchal), deu a conhecer num post na rede social Facebook alguns dos problemas profissionais da classe que representa.
O texto tornou-se viral, sendo partilhado por imensos perfis e reproduzido em vários órgãos de comunicação social nacionais. Continua actual.
Ricardo Duarte nasceu em Setúbal mas foi na Figueira da Foz, desde tenra idade, que residiu, cidade onde ainda hoje habitam os seus pais e que regressa sempre que pode.
Numa entrevista à SIC Notícias Ricardo explica o desbafo.
O texto tornou-se viral, sendo partilhado por imensos perfis e reproduzido em vários órgãos de comunicação social nacionais. Continua actual.
Ricardo Duarte nasceu em Setúbal mas foi na Figueira da Foz, desde tenra idade, que residiu, cidade onde ainda hoje habitam os seus pais e que regressa sempre que pode.
Numa entrevista à SIC Notícias Ricardo explica o desbafo.
Texto na íntegra:
"Estou desmotivado… mais! Estou revoltado!
Porquê? Tentando fugir a toda e qualquer subjetividade, vou-me restringir a factos (sem respeitar um acordo ortográfico que assassina a minha língua materna):
Porquê? Tentando fugir a toda e qualquer subjetividade, vou-me restringir a factos (sem respeitar um acordo ortográfico que assassina a minha língua materna):
1. Tenho 38 anos, sou Médico há 15 anos. Possuo uma especialidade em Anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e a competência em Emergência Médica. Gosto do que faço!
2. Recebo menos de metade de quando acabei a especialidade há 8 anos. É um facto. Para receber o meu ordenado base limpo tenho de acrescentar em média 100 horas extras por mês. Trabalho assim 65 horas por semana a uma média de 9 euros por hora. É um facto.
3. Este ano estive de serviço no dia de Natal, o ano passado fiz o 31 de Dezembro. É um facto. Nesse dia de Natal fui insultado pelo familiar de um doente que não concordou com o horário da visita do meu serviço. É um facto. Tenho um filho com 5 anos e não tenho dinheiro para pagar o infantário a um segundo que não tenho. É um facto.
4. Pertenço à minoria de Portugueses que paga impostos, e como sou considerado rico o meu filho paga mais na creche que muitos outros… pelo mesmo serviço, porque não come mais, nem come antes. É um facto.
5. Todos os dias tenho de tomar decisões clínicas que determinam a vida e a morte de pessoas ao meu cuidado. É um facto. Hemorragias aneurismáticas, como as do mediático caso do David, são apenas um exemplo das situações que eu e os meus colegas temos de tratar o melhor que sabemos e podemos. É um facto.
6. Mesmo sendo médico limito-me a comentar profissionalmente situações que são da minha área de diferenciação. A Medicina é tão vasta que se comentar situações ou acontecimentos de outras áreas sei que vai sair asneira. É um facto.
7. Vivo num País em que quem comenta o penalti e o fora de jogo acha que sabe o suficiente para ditar o certo e o errado naquilo que faço todos os dias. Em que aqueles técnicos de ideias gerais, a quem chamamos jornalistas, e os seus amigos comentadores profissionais, se sentem à vontade para “cagar lérias” sobre aquilo que desconhecem e não têm capacidade técnica para apreciar. É um facto. Por mais de 9 euros à hora… Julgo eu, porque nunca me mostraram o recibo de vencimento!
8. Trabalho num serviço de saúde onde tenho de improvisar a toda a hora porque o fármaco x e y “não há” (Ups… estamos proibidos de dizer que não há!). É um facto. Onde temos vários ventiladores de 30 mil euros avariados (um deles há mais de 1 ano!) porque “ninguém” pagou a manutenção. É um facto. Eu levo o meu carro à revisão todos os anos e pago. É um facto.
9. No dia em que o que me pagarem para ir trabalhar não for o suficiente para a despesa da gasolina e do estacionamento ( como concerta acontece com algumas equipas de prevenção específicas do SNS), não o farei. É um facto. Isso não retira qualquer valor ao juramento de Hipócrates, nem a Lei obriga (ainda!) ao trabalho escravo. É um facto.
10. Se eu estiver doente e precisar de assistência prestada pelos meus colegas no SNS tenho de pagar taxa moderadora, ao contrário de muitos outros… É um facto. E se andar de comboio, como não sou trabalhador da CP também pago. É um facto.
11. Eu e os meus colegas trabalhamos mais doentes que muitos doentes que são vistos no serviço de urgência. É um facto. Vivo numa região em que qualquer dor de dentes, grão no olho ou escaldão da praia vai para a urgência do hospital numa ambulância de emergência médica. Muitas vezes com a família no carro imediatamente atrás da ambulância. E sem pagar um tostão. É um facto.
12. No hospital em que trabalho existem mais de 100 camas de agudos ocupadas com as chamadas “altas problemáticas”. Situação que se arrasta há vários anos e legislaturas e cuja resolução (política) escapa aos mais dotados. É um facto.
13. Vivo numa região em que se gastam muitos milhões em fogo de artifício e marinas abandonadas, sem existir contudo dinheiro para um monitor e um ventilador de transporte para a sala de emergência de um hospital dito central e centro de trauma certificado. É um facto.
14. A descoberta das vacinas constitui um dos maiores avanços da Medicina do século XX e a implementação de um plano de vacinação global para a população é um marco histórico de qualquer civilização, contribuindo para a redução da mortalidade infantil e aumento da esperança de vida. É um facto. Vivo num país que já não consegue garantir uma cobertura vacinal completa e atempada às sua crianças. Um retrocesso de gerações… um sistema podre e decadente. Não vejo os noticiários abrirem com esta notícia. É um facto. O meu filho não fez a vacina da difteria, tétano e tosse convulsa aos 5 anos. Não há… Talvez para o ano. É um facto.
15. E por tudo isto estou revoltado… É um facto.
Funchal, penúltimo dia de 2015.
Ricardo Duarte. Cédula da Ordem dos Médicos 41436"
Foto: DR/Visão
Ricardo Duarte. Cédula da Ordem dos Médicos 41436"
Foto: DR/Visão
A verdade de mãos dadas com a emoção,sempre,e há luz dos tempos em que vivemos,mais resultam exemplarmente em inegáveis provas do quanto o sistema político social está viciado em práticas onde a sensibilidade humana é arrastada por trilhos de uma vergonha,que só a tem quem a sofre na pele,ou por princípios se distancia dos animais políticos que se pavoneiam em corsos carnavalescos,se exibem em oratórias eloquentemente hipócritas,se corporizam em mitos onde a falsidade lhes limita a seriedade de um carisma que nunca lhes é reconhecido,ainda que até ao resto das suas vidas,sejam bem pagos pelas performances circenses a que se expõem.
Bom.e aí,já ouço os seus murmúrios nas costas de quem faz dessa verdade a certificação do que pensa,e que sorrindo em cinismos distanciados,se sente tão vencedor,que nem resiste em acabar em campas privadas e lustrosas,para um "soninho distinto" de todos os outros,para além de uma vida que até pensam que nunca acaba.
Que nunca também acabem "os Ricardos Duartes" do nosso contentamento,pois quem sabe um dia se abram mais as pestanas de quem por acreditar em milagres,não percebe que para haver contemplados,tem que haver prémios,na certeza porém,que esses não podem ser muitos,se não não o eram...
Bom.e aí,já ouço os seus murmúrios nas costas de quem faz dessa verdade a certificação do que pensa,e que sorrindo em cinismos distanciados,se sente tão vencedor,que nem resiste em acabar em campas privadas e lustrosas,para um "soninho distinto" de todos os outros,para além de uma vida que até pensam que nunca acaba.
Que nunca também acabem "os Ricardos Duartes" do nosso contentamento,pois quem sabe um dia se abram mais as pestanas de quem por acreditar em milagres,não percebe que para haver contemplados,tem que haver prémios,na certeza porém,que esses não podem ser muitos,se não não o eram...
Custcruz